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Ir para novo

Considerações gerais, ideias, projetos e muito mais para quem está a "ir para novo". E para quem tem em casa alguém avançado nesta viagem. Todos os domingos. Alternarei posts gerais e específicos.

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Considerações gerais, ideias, projetos e muito mais para quem está a "ir para novo". E para quem tem em casa alguém avançado nesta viagem. Todos os domingos. Alternarei posts gerais e específicos.

131 - Bons e maus exemplos

Neste post decidi inverter o título e começar pelos maus exemplos, assim posso acabar em maré alta, digamos. E, infelizmente, estes são bem mais numerosos do que os bons, mesmo tendo em conta que, muito provavelmente, nunca chegamos a conhecer inúmeros casos e situações, só sabemos os que, pela sua gravidade ou outra razão, vão parar à comunicação social.

Comecemos pelo idoso com Alzheimer assassinado pela sua família de acolhimento e enterrado num pinhal.

Já tinha pensado que seria boa ideia haver famílias de acolhimento para idosos, à semelhança do que se passa com crianças, e afinal até existem e com pagamentos regularizados. Caso estejam interessados em familiarizarem-se com o assunto, esta é a página da Segurança Social que fala deste sistema para idosos e adultos com deficiência. Quanto ao pagamento – também incluído na página – é de:

- Serviços prestados por idoso ou pessoa adulta com deficiência: 225 €

- Serviços prestados por pessoa em situação de grande deficiência: 450 €

- Valor pago para a manutenção de cada pessoa acolhida: 222,27 €

Há todo o tipo de regras para se poder ser uma família dessas, mas, atendendo ao que aconteceu, não me parece que funcione muito bem – francamente, três idosos entregues a um casal de estrangeiros, ele argelino e ela brasileira, ou seja, pessoas sem raízes na nossa sociedade? Mais ainda, será que há fiscalização periódica e atenta ao que se passa numa casa uma vez entregue o idoso aos seus cuidados?

Digo-o por causa de um outro caso divulgado recentemente de uma idosa violada pelo seu cuidador, crime que só foi descoberto porque o filho tinha posto na casa uma câmara oculta.

Começou, também, o julgamento de duas mulheres da mesma família que geriam dois lares ilegais onde os idosos eram maltratados fisicamente e passavam fome e frio. Chocou-me, particularmente, ver as fotos de uma idosa, a primeira no dia do seu aniversário, ainda em casa e na véspera de ingressar num desses lares, e a secunda quando entrou no hospital, uns dias depois, cheia de equimoses e feridas, tendo vindo a falecer devido aos maus tratos sofridos.

Eu entendo a situação das famílias que precisam desesperadamente de um lar para um seu familiar e não o encontram, muito menos ao alcance das suas bolsas. E se lerem as regras respeitantes à criação de um lar nesta página da Segurança Social, entende-se porque os lares são tão caros. Francamente, um enfermeiro por cada 20 idosos (em lares de menos de 20), uma auxiliar por cada 5, lavadeira, animador cultural, motorista... Francamente!

Isto sem falar em toda a burocracia e nos anos – sim, anos – que demora a obter a indispensável licença.

O grande problema aqui é que tratam os lares como sendo todos iguais, ou seja, para pessoas totalmente incapacitadas ou quase. Mas há muitos idosos que só vão para um porque se torna perigoso viverem sozinhos, mas estão, ainda, na plena posse das suas faculdades mentais e de muitas das físicas. Não seria, pois, preferível criar vários tipos de lares para os vários tipos de utentes ou, melhor ainda, secções separadas dentro de um lar? Esta solução teria a vantagem de que, se um idoso passasse a precisar de mais cuidados, não teria de mudar de lar, iria apenas para uma outra zona.

Ou seja, lares para idosos em boa forma mas que não é desejável que vivam sozinhos podiam ser um pouco tipo lares universitários, mas com quartos individuais – ou suites... – e com alguns serviços adicionais, como visitas periódicas de um enfermeiro, refeições, etc. Ficariam bem mais económicos e preencheriam uma lacuna na assistência a idosos.

O que me leva ao meu primeiro bom exemplo, a aldeia de São José de Alcalar, no Algarve, uma ideia implementada pelo padre da Paróquia da Mexilhoeira Grande, composta por 52 residências para idosos mas também para casais com filhos deficientes. Há muitas similares (para idosos) nos EUA, por exemplo, constituídas por uma casa comum para refeições – quem queira – e convívio diverso e pequenas habitações que permitem a esses idosos ter uma vida autónoma, mas protegida.

Há uma outra aldeia similar perto de Águeda, As Casinhas Autónomas, com 10 casas em que vivem 19 idosos – veja esta reportagem do Observador. Mas, espantosamente, ou talvez não, a Segurança Social, em vez de incentivar a criação de lugares semelhantes, decidiu que é um lar ilegal e aplicou-lhes uma coima!

É claro que é ilegal, uma vez que este tipo de estrutura não está previsto nas nossas leis e regulamentos – só que já é mais do que altura de o ser, juntamente com variantes mais urbanas, como prédios, ou partes deles, reservadas a idosos e com apoios diversos. E nem precisam de reinventar a roda, há inúmeros exemplos nos EUA e Europa.

Um outro bom exemplo foi iniciado pelo Hospital de S. João no Porto e, felizmente, começa a ser seguido por muitos outros, públicos e privados. Trata-se da chamada Hospitalização Domiciliária, que o mesmo hospital também está a aplicar a crianças.

Se pensarmos bem, muitas camas hospitalares estão ocupadas com idosos que só precisam de ser vigiados e de alguns tratamentos regulares. Sendo assim, o dito hospital criou uma equipa de técnicos que vai a casa dessas pessoas fazer o que for necessário e acompanhar, também, a sua recuperação. Isto tem duas vantagens. Primeiro, liberta camas hospitalares para quem precisa realmente delas. E, mais importante ainda, verificou-se que a recuperação desses doentes era bem mais rápida em casa do que num ambiente hospitalar.

Sim, isto implica haver alguém em casa que esteja com o doente, seja um cônjuge, filho ou outro, mas é um passo na boa direção. E a prova de que assim o é está em que em finais de 2022 já tinha 36 hospitais aderentes, para um total de 339 camas! Este artigo é bastante elucidativo sobre o assunto.

Finalmente, mais um bom exemplo também do Hospital de S. João no Porto, um programa de reabilitação em casa e formação de cuidadores – leia-se este artigo. Não é exclusivamente para idosos, mas é um bom complemento da Hospitalização Domiciliária, alargando, em muito, a sua aplicação.

Estender ambos a lares será bem mais complicado, mas penso que poderá ser o próximo – e desejável – passo.

Para a semana: Voltemos às fraudes. Perante notícias recentes, falemos mais um pouco de fraudes que visam sobretudo quem vai para novo.

50 - Maus tratos

De vez em quando ouvimos falar de maus tratos a idosos, quase sempre relacionados com lares. Infelizmente, à semelhança da violência doméstica e da pedofilia, o problema é bem mais vasto e grave do que a meia dúzia de notícias que nos chegam deixam entender.

Não vou sequer falar de algo que está agora muito “na moda”, o ataque a casas isoladas onde só vivem idosos, para, com uma violência que nada justifica, lhes roubarem o pouco que têm. Ressalto, apenas, que têm muito menos tempo de antena do que, por exemplo, queixas que envolvam polícias.

De acordo com a Organização Mundial de Saúde, Portugal é um dos países com maior taxa de violência contra idosos. Curiosamente, quem está sempre a propor o agravamento – ou criação – de penas por maus tratos a animais nada faz em relação a isto. Atenção, sou a favor da penalização de abusos contra animais, mas acho que os idosos merecem, no mínimo, o mesmo tratamento. E o velho argumento de que estão incluídos na legislação geral não pega, pessoalmente acho bem mais grave atacar um idoso do que uma pessoa na pujança da vida, a sua capacidade de defesa é bem menor.

O abuso de idosos abrange vários tipos: físicos, emocionais, financeiros, sexuais, negligência ou até abandono – recordemos os idosos que são hospitalizados e para lá ficam porque os familiares deram uma morada falsa e eles não sabem esses dados.

Quando vêm a lume casos em instituições envolvem, quase sempre, maus tratos físicos ou negligência – como aquela idosa que foi filmada à socapa com feridas abertas e coberta de formigas. O grande problema é que não sabemos, de facto, o que se passa ali no dia-a-dia.

Embora a legislação em vigor não indique um horário de visitas obrigatório, deixando-o ao critério de cada instituição, muitas limitam-no com o pretexto de não causar incómodo ao seu normal funcionamento. Ou seja, os familiares só têm acesso aos seus entes queridos num período curto, ignorando o que se passa fora desse horário.

E não esqueçamos os muitos idosos em lares que nem visitas recebem. Ora não seria altura de criarmos um corpo de fiscais, digamos, que aparecessem a horas não marcadas e vasculhassem tudo para ver o que realmente se passa?

Melhor ainda, que tal o equivalente ao “comprador secreto”? Para quem não conhece, são pessoas contratadas pela direção de uma loja – bom, normalmente cadeias de lojas – para fazerem compras ali e preencherem um relatório sobre o atendimento, pessoal, etc. Ou seja, seriam idosos em bom estado físico e mental que entrariam num lar com o pretexto de uma situação de emergência – ou teriam de esperar imenso por uma vaga – para relatarem, depois, a sua experiência e os problemas que encontraram.

Mas os casos mais frequentes de maus tratos a idosos têm lugar na sua própria casa ou em casa de familiares e às mãos dos seus cuidadores, quer sejam membros da família ou pessoas contratadas para o efeito.

Infelizmente, se no caso da violência doméstica e da pedofilia há uma enorme relutância das vítimas em denunciar os abusos de que são vítimas, a situação é ainda pior no caso de idosos e por diversas razões.

Muitos nem sabem que são vítimas de abusos, quer por diminuição das suas faculdades cognitivas quer por terem sempre vivido num ambiente familiar violento. Outros têm vergonha de falar do assunto, não nos esqueçamos de que para as gerações mais antigas é uma vergonha “lavar a roupa suja” em público. Há ainda quem não saiba a quem recorrer ou como denunciar a situação.

Mas uma das razões mais comuns é o idoso depender do abusador, financeiramente ou em termos de companhia. O seu grande receio é ficar ao desamparo se o abusador lhe for retirado – bom, o mais provável no nosso país é até o idoso ser enviado para um lar e quem o maltratou ficar em paz e sossego...

Há, ainda, o caso cada vez mais comum, de os abusos virem de um neto (ou neta) drogado, que tudo faz para ficar com a parca reforma do avô ou avó ou com os seus bens para manter o seu vício. Numa situação destas, às razões acima indicadas junta-se ainda o facto de ser família e haver todo um sentimento de lealdade que, infelizmente, não se processa nos dois sentidos.

Há muitas razões para os maus tratos a idosos, não irei falar deles, direi apenas que um dos mais comuns quando envolve um familiar ou cuidador é a solidão e isolamento em que ambos vivem. À força de passarem o tempo todo juntos e sozinhos, bom, algo quebra e o elo mais fraco é certamente o menos novo dos dois. Sem esquecer que há idosos de “trato difícil” que fazem a vida negra a quem deles cuida e que são, até, às vezes os autores das agressões...

Muitos casos seriam detetados e remediados se houvesse visitas periódicas – e não anunciadas – a idosos. Já escrevi sobre isso em “E vivam as visitadoras”. Mas até lá, compete-nos a todos estarmos atentos ao que se passa à nossa volta, com familiares idosos com quem não vivemos, vizinhos, pessoas do nosso bairro, enfim, todos os que nos rodeiam.

E embora os casos que são publicitados envolvam sobretudo negligência e maus tratos físicos, há outros dois muito prevalecentes.

Um deles é o abuso emocional, ou seja, insultos, agressões verbais (mais valia morreres, não serves para nada...) e, muito simplesmente, o bullying, de que só se fala quando envolve menores ou pessoas de certos setores sexuais ou étnicos, mas que abrange, infelizmente, todos os escalões sociais e etários.

E há ainda o financeiro, que vai das burlas (de que falarei noutro post), a que os idosos são ainda mais suscetíveis do que o resto da população, à pressão de familiares e curadores para ficarem indevidamente com dinheiro e bens de todo o tipo.

Se quiser ler mais sobre este assunto, aqui fica este artigo, “Prevenir maus tratos a idosos”.

Para concluir, se é vítima ou suspeita que alguém o é, aqui ficam alguns contactos a que pode denunciar a situação.

Associação Portuguesa de Apoio à Vitima: 116 006 (chamada gratuita, dias úteis das 08-22)

Linha Nacional de Emergência Social: 144 (chamada gratuita, 24 horas por dia, sete dias por semana)

Linha do Cidadão Idoso da Provedoria de Justiça: 800 203 531006 (chamada gratuita, dias úteis das 9:30-17:30)

Para a semana: Quedas. Como evitá-las e o que fazer caso aconteçam