128 - Inovar no combate à solidão
Fala-se muito na solidão dos idosos, mas, como em muitas outras áreas, é apenas falar por falar sem que nada se faça para tentar arranjar soluções, nem que sejam “menos perfeitas”. É que esta é, também, uma outra tendência bem visível no nosso país, ir recusando projetos porque não são ideais, preferindo a opção de não ter nada – veja-se o caso das Urgências em que é, aparentemente, bem melhor fechá-las do que tê-las abertas com equipas incompletas...
A primeira proposta que aqui faço vem de algo que li há uns dias. A rede de supermercados Jumbo – passe a publicidade – na Holanda criou as chamadas caixas lentas, devidamente assinaladas, em que os funcionários conversam sem pressas com o cliente enquanto vão passando os produtos. A experiência começou em 2019 em Vlijmen, tendo como público-alvo pessoas acima dos 75 anos.
Mas, com o seu êxito e após o levantamento das restrições COVID, estendeu-a a todas as suas 200 filiais. E foi com algum espanto que notaram que os que usam a caixa lenta nem sempre são idosos, há pessoas de todas as idades, até jovens. E, como complemento, criaram, também, o chamado “cantinho da conversa”, com café gratuito.
Acho a ideia ótima, nas vezes em que vou ao Supermercado noto que muitos clientes mais idosos gostam de conversar com a pessoa que está na caixa, mas o problema é que isso causa, quase sempre, transtorno e impaciência em quem está à espera para ser atendido, o que põe rapidamente fim ao que será, com grande probabilidade, o único contacto humano que essas pessoas terão nesse dia.
É claro que uma solução bem mais rápida e fácil de implementar seria se todos nós tirássemos uns minutos para olhar à nossa volta e dar um niquinho de conversa a alguém que vemos que está só e que, frequentemente, até é habitual vermos nos locais que frequentamos.
E porque não alargar o conceito às consultas médicas? Não me refiro a pessoas com doenças mais ou menos graves mas apenas às de rotina. E sim, sei que os médicos mal têm tempo para atender a sua lista, despachando os utentes o mais depressa que podem, mas que tal contratar médicos reformados para fazerem o atendimento rotineiro de pessoas, digamos, acima dos 70 anos? Mas com uma lista menor, para poderem dedicar uns bons momentos simplesmente a conversar.
Já agora, isto funcionaria, também, como medicina preventiva, é que muitos idosos demoram imenso tempo a abrirem-se e a explicar o que os aflige em termos de saúde e, muitas vezes, quando iam começar já a consulta acabou... Mas neste sistema, com mais tempo para a consulta e num ambiente mais informal, ser-lhes-ia mais fácil descobrir as suas apoquentações – e lembremo-nos de que muitas vezes até nem é uma doença real que “estraga” a vida de um idoso, remoer a ideia do que poderá ter chega a ser bem pior.
A minha última proposta vai ser polémica, mas já está a ser usada, de certo modo, em psiquiatria.
A sua origem está em 1965 e em ELIZA, o primeiro programa para processamento de linguagem natural da história, criado por Joseph Weizenbaum no laboratório de Inteligência Artificial do MIT – só que chamaram-lhe bot e não IA, o que ajudou muito... Basicamente, ELIZA simulava sessões de psicoterapia, em que o paciente digitava as perguntas ou a sua parte da conversa. Foi um êxito, aliás, muitos do que o experimentaram sem saberem que era um programa disseram que gostariam de continuar a experiência quando o souberam.
Mais recentemente, surgiram programas similares na área da psiquiatria, não para substituir o médico mas como seu complemento, uma vez que estão treinados para detetar sinais de alerta que muitas vezes escapam aos profissionais de carne e osso, talvez porque, como programas que são, nunca se cansam e matem o mesmo nível de atenção 24 horas por dia, 7 dias por semana.
A principal vantagem detetada foi que pessoas que se recusavam a ir a uma consulta não tiveram o menor problema em falar com um programa – um pouco à semelhança com o que se passa com a segurança na Internet, pessoas que tomam muitas precauções no mundo real não hesitam em revelar dados sensíveis nessa rede.
A minha proposta é, pois, a criação de um programa de conversa para idosos, mas via telefone, uma vez que nem todos estão à vontade para usar um tablet, telemóvel ou computador. O programa ligaria diariamente – ou com outra frequência – às pessoas inscritas para uma amena cavaqueira, que serviria, também, como “prova de vida”.
Antes que se atirem ao teto, pensem nisto: muitos idosos têm uma enorme necessidade de falar com alguém, mesmo que não a expressem, mas não tanto de ouvir. Ou seja, um programa treinado para ir dizendo as palavras “certas” de modo a incentivar a conversa é absolutamente ideal. Mais ainda, não sendo uma pessoa a sério, consegue ouvir a mesma história vezes sem conta sem se impacientar.
Podiam usar-se várias vozes, experimentando até ver a que agradava mais, a que fazia a pessoa falar mais à vontade. E também aqui entra o tal fator que se viu com ELIZA e os novos programas psiquiátricos, muitas pessoas sentem-se mais à vontade para falarem de assuntos que consideram embaraçosos se não estiverem na presença física do interlocutor.
Estes programas poderiam, também, ter elementos adicionais. Por exemplo, irem buscar aos de psiquiatria os elementos de alerta para depressão profunda e outros problemas que não se resolvem com uma mera conversa. Mas com uma oportunidade frequente para falarem de si e contarem as suas histórias e as suas recordações, aposto que a percentagem de idosos deprimidos baixaria imenso e em pouco tempo! Sem contar que um projeto destes chegaria com a mesma facilidade ao centro de Lisboa ou a uma aldeia remota.
Bom, poderia também haver uma versão digital, com imagens à escolha de uma pessoa criadas por IA, claro, para quem preferisse falar “cara a cara”.
Para a semana: Cancro. Não é exclusivo de quem vai para novo, mas a componente psicológica pode ser pior do que em pessoas mais jovens