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Ir para novo

Considerações gerais, ideias, projetos e muito mais para quem está a "ir para novo". E para quem tem em casa alguém avançado nesta viagem. Todos os domingos. Alternarei posts gerais e específicos.

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124 - Idadismo na medicina II

Falei anteriormente neste assunto em Idadismo na medicina, onde abordei temas tão diversos com a não inclusão de certos setores etários em estudos de novos fármacos, consultas, hospitalização de idosos e muito mais. É claro que este tipo de discriminação, o único, repito, que continua a ser ignorado por uma sociedade que passa a vida a berrar pela inclusão, não se restringe ao setor médico. Está, até, interiorizado em muitos de nós, traduzindo-se na atitude de muitos idosos de quase andarem a pedir desculpa por ainda existirem.

Mas face a acontecimentos recentes com o INEM e em Urgências de diversos hospitais, decidi voltar à sua vertente médica.

Vamos, pois, à tristemente famosa greve do INEM. Começo por dizer que me faz confusão a Polícia – ou antes, as várias forças policiais – não poder fazer greve mas a Emergência Médica ter esse direito. É que a meu ver prestam ambas o mesmo tipo de serviço indispensável à segurança e bem-estar da população e que não devia, nunca, ser posto em causa, por muita razão que tenham os grevistas – e muito francamente, com tantas greves e em tantos setores, já nem me dou ao trabalho de tentar descobrir as suas causas.

Tivemos, depois, a crítica de que o Governo não tinha decretado serviços mínimos ou que estes foram decretados à última hora. Pergunto eu, o sindicato em questão não meteu a mão na consciência e viu a sua necessidade? Mas isso será tema para outro post e outro blogue.

O que me chamou mais a atenção foi que os muitos casos de atrasos enormes na resposta desse serviço com a morte de quem deles precisava, envolveram pessoas já com bastante idade. Ora atendendo a que uma das primeiras perguntas que fazem quando ligamos para o 112 é precisamente a idade de quem precisa de ajuda, isso não deixa de ser intrigante.

É claro que o INEM não é a caixa de um supermercado, ou seja, o atendimento não é meramente por ordem de chegada mas sim pela gravidade do caso – entre outros fatores. Mesmo assim, acho que foram casos a mais e esperas demasiado longas. O que eu gostaria de ver era uma investigação a sério sobre os casos a que responderam entretanto, ou seja, entre o pedido de ajuda e a sua chegada. Houve, realmente, casos gravíssimos que impediram uma resposta mais atempada? Ou meteram à frente outros casos menos graves apenas porque envolviam pessoas mais novas?

Pode parecer absurdo, mas no rescaldo da greve e das notícias sobre essas mortes li vários comentários no sentido de “com aquela idade, mais vale deixá-los ir em paz.” Bom, se isto não é idadismo... Como disse no post acima citado, não sou adepta de tratamentos com fraquíssimas hipóteses de resultarem, do tentar tudo, custe o que custar. Mas quem nos garante que aquela pessoa de 90 anos que morreu durante a hora e meia de espera pelo INEM não estava na plena posse das suas faculdades e poderia ter ainda alguns anos de vida em cheio?

Mas, como se isto não bastasse, temos tido, também, vários casos de idosos que morrem abandonados numa cadeira das Urgências enquanto esperam ser atendidos. E a desculpa é sempre a mesma, chamaram pelo nome e, como não respondeu, acharam que desistira e fora para casa! Pior ainda, em pelo menos dois destes casos não deixaram que um familiar ficasse com o idoso, o que teria certamente evitado o seu abandono.

Um das situações envolveu um senhor de 65 anos que foi encontrado morto nas Urgências 12 horas depois de lhe ter sido posta uma pulseira laranja – também aqui, a desculpa foi a mesma, chamámos e não respondeu.

Sei que as Urgências andam caóticas, mas isso não é novidade. Já cansa, até, ouvir, semana após semana, a mesma coisa. É que fica a ideia, ou antes, a certeza, de que caos é o novo normal nesses serviços e que já o é há tempo suficiente para se criarem mecanismos que garantam uma melhor gestão dos pacientes em espera e que garantam, acima de tudo, que não haja quem “caia pelas frinchas”.

E já agora, para andar a verificar se os pacientes ouviram a chamada e, até, para ir verificando se não ficou alguém esquecido ou se há alguém a precisar de ser mesmo atendido – sim, as coisas podem mudar durante as longas esperas – não era preciso contratar nenhum médico ou enfermeiro, podia, até, ser um serviço prestado por voluntários.

Há ainda uma outra questão. Fala-se muito na discriminação positiva em termos de dar, por exemplo, certos cargos a mulheres ou a minorias. Ora acontece que certos sintomas iguais numa pessoa jovem e noutra de 70 ou mais podem não ter o mesmo peso. Ou seja, aquilo que merece uma pulseira verde num dos casos pode precisar de uma laranja no outro. E com base na minha experiência, não me parece que isso esteja a ser levado em conta... espero estar enganada.

Para concluir, esta nova regra de ser obrigatório ligar para a  Linha SNS 24 para se poder ser atendido nas Urgências vai discriminar, também ela, os mais idosos. Ou acham que uma pessoa de 80 e tal anos, sozinha em casa, que se sente mal, tem a presença de espírito para fazer tudo isso? Sem contar que uma coisa é marcar o 112, outra, bem diferente, é ter de introduzir 808 24 24 24.

Pois é, entre ligar e responder às milhentas perguntas que fazem, dá tempo mais que suficiente para morrer e não atravancar as Urgências!

Para a semana: Prendinhas que seria tão bom ter. Em vez de palavras e lamentos, fazer algo a sério por quem vai para novo

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